Dizem que eu sou louco

Foto: Arquivo Pessoal

Eu sou louco, segundo pelo menos metade das pessoas que conversei antes de vir para Dublin. Para elas, este que vos escreve deveria ter pensado mais antes de tomar tal decisão.

– Mas eu já estou analisando esta possibilidade faz meses!
– Se esperou até agora, você pode esperar mais um pouquinho.
– Não dá mais.
– Você é louco!

De pouquinho em pouquinho, a viagem acabou sendo postergada, e postergada, e postergada.

– Decidi! Vou morar fora!
– Tem certeza? Não quer pensar mais um pouco?
– Não! Embarco mês que vem.
– Mas já? Por que a pressa?
– Pressa?
– Você é louco!

Depois de inconsequente, virei a pessoa mais afobada do mundo. Além, claro, de ser um ingrato por “esnobar” tudo aquilo que a vida no Brasil me oferecia.

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– E a sua carreira? Vai largar tudo?
– Só por um tempo. Daqui a pouco eu volto.
– Mas daqui a pouco o mercado pode não mais lembrar de você.
– O mercado que se f…
– Você é louco!

Foi assim, de camisa de força e calmantes prescritos, que eu desembarquei na Europa. E aqui – eis a grande ironia – descobri que eles estavam certos. Eu realmente sou louco. E a loucura, amigos, só tende a piorar neste grande manicômio chamado Dublin.

As pílulas de tarja preta não surtem efeito no lado de cá do mundo. Por mais que a gente tente se controlar, nos flagramos cometendo as mais absurdas barbaridades jamais cogitadas por nossas mentes quando estávamos no lado de lá. Na primeira semana morando aqui, voltei da balada a pé. Às quatro da manhã. E sozinho. Coisa de maluco. Quando contei pros meus amigos…

– Você é louco!

Os que ainda não me consideravam doente mudaram de ideia quando souberam de outra atitude imprudente.

– Você não está morando sozinho?
– Não. Divido a casa com um brasileiro, uma francesa, uma austríaca, uma polonesa e um americano.
– Mas você os conhece?
– Estamos nos conhecendo agora.
– Você é louco!

Uma amiga, que até então ainda me achava normal, passou a concordar com os demais assim que soube da novidade.

– Estou trabalhando!
– Sério? Aonde?
– Em um café.
– Gerente?
– Não. Lavando prato.
– Você é louco!

Horrorizado, outro amigo tentou convencer-me a voltar para casa.

– Você não precisa disso.
– Disso o quê?
– Passar por isso.
– Por isso o quê?
– Por essa humilhação.
– Que humilhação?
– De lavar prato.
– Mas é legal!
– Você é louco!

Tentei acalmá-lo dizendo que meu caso não tem solução, já que vivo em uma cidade onde a loucura chegou a um nível epidêmico.

– Um colega virou taxista.
– Ele tem carro?
– Não. O carro dele é uma bicicleta.
– Ele transporta as pessoas na bicicleta dele?
– Tem uma cabinezinha atrás.
– Ele é louco!

Então contei a história da fisioterapeuta que virou arrumadeira de hotel, do advogado que trabalha como faxineiro, do publicitário que faz contagem de estoque, da psicóloga que vende café, do administrador de empresas que monta caixa de uísque, da dentista que cuida de quatro crianças e do jornalista vendedor de… jornal.

– Ele ganha cinquenta centavos por jornal vendido.
– Quantos ele vende por dia?
– Uns cinco.
– Ele é louco!

Também me chamaram de louco por não ir para a escola às quartas-feiras de manhã, por gastar todo meu dinheiro com um tal de “Raianér”, por fazer negócios nos Classificados Dublin, por vender e comprar euros de desconhecidos, por contrabandear cigarro e cachaça, por viver no limite das leis de imigração, por aprender novos idiomas, por experimentar comidas exóticas, por conhecer gente do mundo todo, por namorar gringa, por jogar futebol com temperaturas próximas ao zero, por nadar no mar gelado, por fazer tudo aquilo que eu sempre quis fazer mas nunca tive coragem.

Dizem que o próximo estágio da loucura é ainda pior. Foi o que ouvi na semana passada de um dos loucos mais loucos que já pisaram nesta ilha. Uma conversa que me deixou arrepiado. E com medo. Está acontecendo com ele. E já já acontece comigo. E com você também!

– Enjoei de Dublin.
– Como assim?
– Já cansei dessa brincadeira de morar fora.
– E agora?
– Vou voltar pro Brasil.
– Hã?
– Vou voltar pro Brasil.
– Cara, você precisa pensar um pouco mais sobre isso.
– Eu já estou analisando esta possibilidade faz meses!
– Se esperou até agora, você pode esperar mais um pouquinho.
– Não dá mais. Embarco mês que vem.
– Já? Por que a pressa? E seu emprego?
– Não estou nem aí.
– Sério?
– Seríssimo!
– Vai mesmo voltar pro Brasil?
– Vou!
– Você é louco!

É, ele é louco mesmo.

—–

Obs. No caso, o louco da história sou eu, Leandro. É hora de voltar para casa. Com esta crônica, me despeço de todos os leitores do E-Dublin. Um obrigado do tamanho do mundo a cada um de vocês. Foi um prazer compartilhar momentos do meu intercâmbio com tantas pessoas. Nos vemos no Brasil, meu próximo destino!

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Leandro Mota

Jornalista desde 2005. Trabalhou por oito anos na Rádio CBN. Fanático por futebol, cobriu duas Olimpíadas (2008 e 2012), uma Copa do Mundo (2010) e outros eventos esportivos. Em 2009, ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por uma série de reportagens sobre preconceito e xenofobia na Europa. Certo dia, bebeu demais e acordou em Dublin. Ainda não descobriu como voltar para o Brasil.

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