Um frango no inverno

Por Marluce Lima

Crédito: Shutterstock

Era cinco e meia da tarde, porém, o azul escuro já encobria o sol que mal apareceu.

Nunca tinha tido dias tão curtos e, ao mesmo tempo, tão longos.

Só não estava tão escuro no momento em que amanheci os olhos pela cortina que cobria a janela.

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Porém, mais abertos.

Preferia, às vezes, nem avistar o que me esperava lá fora. Apenas encobria-me da lã pendurada à porta e deixava-me surpreender.

Em questão de segundos, o vento transforma tudo.

Parece que mal tinha acordado no escuro e terminava meu shift novamente no escuro.

Talvez eu pudesse me transformar em coruja.

Porém, era fácil admirar aquela paisagem, das minhas preferidas de Dublin, e também a essa hora podia dar aquele suspiro de alívio.

“Mais um dia, menos um”.

Aquele azul que transcorria o Rio levava meus olhos em direção à Lua. Era meu Sol.

O bom era que minhas pernas pesadas não precisavam percorrer esse caminho. Os olhos permaneciam serenos e sempre curiosos.

“Amanhã é um novo dia”, sussurrou alguém.

Ao fundo, sabia que seria um novo azul, talvez mais cinza. Mas eu não me cansaria de atravessar aquela ponte em forma de música.

Meu corpo não foi modelado pra isso, pensei.

Mas talvez fosse a falta de vitamina D nos poros.

O fatídico cansaço de fixar a bunda em frente ao computador questionava a decisão de trocar por pernas inchadas por detrás de um balcão de sanduiches.

Cortava os frangos em pedaços com pena – não sei se era mais deles ou de mim.

Eram quatro ou cinco sacos.

Cortei tantos tomates quanto roí as unhas.

Me doía músculos antes desconhecidos.

“Faz cinco anos que trabalho aqui”, disse um certo alguém.

Concordei com um “Ok”, com certa inveja, com certa repulsa.

Talvez eu pudesse ser mais acomodada com aquela enfadonha rotina – iria doer menos.

E naquela noite, que ainda era dia, após as cinco, meus dedos doloridos falaram através de meus olhos, enquanto deitava na cama fitando o mundo de fora pela janela.

Avistei nuvens negras passando.

Ainda azul, porém, outro azul.

Reparei que, na verdade, negro era o céu, as nuvens continuavam brancas. E elas passaram também. Então me dei conta de quantos mundos hoje sou capaz de viver e experimentar, mesmo que eu esteja cortando frangos.

Colaborador E-Dublin

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