Os idiomas são diferentes. Ela abusa do “xiiiiiiii”, “chêêêê”, “akkkkiiii”. Eu falo tudo com “ãããããã”, “iiinho”, “eeeeente”. Mas a gente se entende. Ou pelo menos achamos que sim. Certa vez demoramos uns cinco minutos para perceber que eu falava de uma coisa e ela de outra. Papo de louco. Desde então, trocamos de assunto quando percebemos que não temos a mínima ideia do que o outro está falando. Definitivamente, não é fácil gostar de alguém que nasceu em outro país.

Namoro durante o intercâmbio. © Irina Braga | Dreamstime

Meu pai ainda não se acostumou com a ideia.

– Como está a sueca?

– Mande um abraço para a alemã!

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– Ela é irlandesa, né?

– E a russa, como anda?

– Quando você vai pra Espanha conhecer os sogros?

– Polonesa?

Os amigos dele devem pensar que eu sou o maior garanhão da história da Europa. Cada hora com uma namorada diferente. Minha mãe ficou assustada quando soube:

– Isso significa que você vai ficar aí pra sempre?

Já respondi negativamente à esta pergunta umas quarenta vezes. Não adiantou.

– Meu coração de mãe diz que você não volta tão cedo.

Coração de mãe não mente, dizem. O que era para ser seis meses virou um ano. Um ano se transformou em dois. Ganha um doce quem descobrir o motivo.

Se bem que no começo eu realmente pensava em voltar para casa, apesar dela. Naquela época, a possibilidade da coisa ficar séria não passava pela minha cabeça. Eu pensava apenas em aproveitar ao máximo aquela experiência bizarra de ficar com uma pessoa vinda de uma cultura bem diferente da minha.

– Como assim vocês tomam sopa todo dia?

– Você só pode estar me zoando com essa história de trinta graus negativos.

– Também faz calor? Não acredito!

– Mas por qual motivo você só tem um sobrenome? Sua mãe não fica triste?

– Isso é de comer?

Obviamente, como sempre, a recíproca era verdadeira.

– Todo mundo no Brasil é obrigado a torcer por um time de futebol?

– Faz frio no inverno? Como assim?

– Arroz todo dia? Você é chinês?

– Por que a sua mãe chora toda vez que vocês conversam pelo telefone?

– Se eu aceito ser a sua namorada? Mas eu já não era antes?

Ela nunca havia sido pedida em namoro antes. Nem as amigas. Nem ninguém.

– Isso é coisa de jardim de infância, não?

Os gringos não perguntam. Simplesmente se assumem. Para eles, o negócio fica sério já após alguns encontros. Saíram juntos mais de cinco, dez vezes? Já era! Mesmo que haja um Oceano Atlântico entre vocês. Mas caso ninguém se manifeste, não se desespere. Você saberá que a merda está feita quando se pegar digitando no google a frase: “visto para estrangeiros no Brasil”.

Na próxima vez em que eu for procurar emprego em Dublin, adicionarei conhecimentos sobre serviços consulares em meu currículo. De site em site, me tornei um ~especialista~ no assunto. A página do Ministério das Relações Exteriores até virou a home principal do meu navegador. Visitei praticamente todos os fóruns relacionados ao tema e vire e mexe caio em um blog escrito por bravos conterrâneos que resolveram, assim como eu, jogar o jogo da vida amorosa no modo hard.

Uma colega que trabalhava como aupair se apaixonou pelo tio da criança. Estão juntos há mais de um ano. Até hoje, o pai desta minha amiga não sabe que a filha namora um irlandês. A mãe foi avisada na semana passada. Desde então, tenta persuadi-la a abandonar a ideia. Tem medo de perdê-la para a Europa.

Outra conhecida também namora um irish. O casal se assumiu dias antes do embarque dela para o Brasil. Obviamente, a menina desistiu. Simplesmente ligou para os pais avisando que ficaria mais um ano na Irlanda. O moço diz que topa mudar de país em dezembro.

Um amigo se apaixonou pela coreana da escola. Começaram a namorar, mas o visto dele expirou. Tinha que voltar. Ela foi atrás sem contar aos pais, que jamais permitiriam um relacionamento com estrangeiro. O coração falou mais alto. Na surdina, comprou passagens para Guarulhos. Deixou o cartão de crédito com os amigos de Dublin para que fizessem compras semanais, assim ninguém jamais desconfiaria que tivera atravessado o oceano. Mas o conto de fadas durou apenas um mês. A mãe mandou retornar de “Dublin”. Hoje, ele chora em São Paulo. Ela, em Seoul.

Tem ainda o brasileiro que trabalha comigo e namora um grego, o maranhense que está saindo com uma polonesa de dezenove anos, o paulista que “fica” com uma portuguesa há seis meses, o carioca que se apaixonou por uma italiana, o mineiro louco pela espanhola e a gaúcha namorada do francês. Eles me entendem. Eu os entendo.

Neste exato momento, ela está sentada na escrivaninha estudando o livro que ganhou de presente há alguns meses: “Português para estrangeiros”. Ela já sabe até a diferença entre os verbos “ser” e “estar”. Ontem, batemos o recorde de tempo de conversação. Foram cinco minutos que me encheram de orgulho! Quando nos conhecemos, ela disse que o meu idioma não fazia sentido:

– Crazy language, Mota!

Hoje em dia, se não quero que ela entenda minhas conversas com brasileiros, preciso abusar de gírias e acelerar a fala. A moça é rápida!

O próximo capítulo do livro é vocabulário de emoções: amor, ódio, carinho, tristeza, alegria, felicidade e “saudade”, considerada a sétima palavra mais difícil de traduzir entre todos os idiomas do mundo. É ela que me puxa para o Brasil. É o medo dela que me mantém na Europa. Maldito Oceano Atlântico!

Imagens via Dreamstime
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Leandro Mota

Jornalista desde 2005. Trabalhou por oito anos na Rádio CBN. Fanático por futebol, cobriu duas Olimpíadas (2008 e 2012), uma Copa do Mundo (2010) e outros eventos esportivos. Em 2009, ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por uma série de reportagens sobre preconceito e xenofobia na Europa. Certo dia, bebeu demais e acordou em Dublin. Ainda não descobriu como voltar para o Brasil.

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