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Os colecionadores de passaportes

Ele chegou em Dublin com uma missão: beijar garotas de pelo menos cinco nacionalidades durante o intercâmbio. Na verdade, sonhava com pelo menos dez, mas manteve os pés no chão para evitar futuras frustrações. “Partiu, esbórnia!”, publicou no Facebook antes de entrar no avião.

Ela desembarcou sonhando em experimentar todo o tipo de homem existente nesta ilha. Não estabeleceu metas a serem alcançadas. Apenas colocou na cabeça que permaneceria longe de brasileiros. “Sorry, but I don’t speak portuguese.”

Ele percebeu logo de cara que não seria tão fácil assim. “As gringas não me entendem”, desculpava-se depois de cada noite sem pegar ninguém. De fato, o inglês capenga não ajudava. Certa vez, uma garota começou a berrar desesperadamente na orelha dele após 37 segundos de conversa. Desconfiamos que deve ter havido algum erro de pronúncia. “Ou a moça era louca mesmo.”

Ela inaugurou o passaporte na balada de boas-vindas. Nem dormiu. Passou a madrugada conversando com as amigas pelo whatsapp. Contou todos os detalhes do primeiro gringo da vida. Até pensou em tatuar a bandeira da Itália, mas desistiu depois de conseguir o segundo carimbo na noite seguinte. “Talvez as cores da Espanha combinassem melhor com a minha pele.”

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Ele desistiu oficialmente da missão um mês depois de chegar por aqui. Tentou diversas táticas: conversar, contar piada, dançar, flertar de longe. Arriscou até mesmo uma abordagem mais ousada, mas a menina chamou um segurança e ele acabou expulso do bar. Passou então a frequentar o sertanejo. “Meu xaveco em português é infalível”, gabava-se toda madrugada de sexta-feira.

Ela se apaixonou pelo primeiro irlandês que beijou. Antes de ir embora, pediu o telefone do homem. No dia seguinte, descobriu que o número pertencia a uma idosa extremamente mal-educada. Com raiva do infeliz, decidiu ficar com o primeiro inglês que encontrasse pela frente. O destino conspirou a favor e no sábado seguinte ela tomava um chá da tarde, às duas horas da madrugada, acompanhada de um londrino. “Viva a Rainha!”

Ele travou quando ela disse que não falava português. A francesa estava na festa acompanhando as (aproximadamente) 315 amigas brasileiras. Também não mandava bem no inglês. Sem preocupações gramaticais e com vocabulário reduzido, ambos decidiram se comunicar sem usar palavras. Língua com língua. “É a primeira de muitas.”

Ela perdeu as contas já no terceiro mês de intercâmbio. Eram tantas nacionalidades que não havia mais páginas em branco no passaporte da menina. Sem números oficiais, ela apenas suspeitava que já ultrapassara o flatmate gay, que até então havia saído com pessoas de 21 países diferentes. Mas diferentemente do amigo, ela só tinha se envolvido com ‘nacionalidades padrão’. “Quero sair do lugar comum, quero um armênio”.

Ele ganhou confiança e, após a francesa, emplacou duas irlandesas na mesma semana. No sábado seguinte, ficou com uma romena. “A loira mais espetacular da minha vida.” Mudou de ideia depois da beijar uma polonesa. Quando conheceu a garota de Luxemburgo, passou uma semana fazendo piadas com o técnico de futebol. O “mês perfeito” terminou com uma espanhola. Foi amor à primeira vista. Não pela menina, mas pela Espanha. “Posso xavecar em inglês, português, espanhol e portunhol.”

Ela queria ousar. Naquele momento, o estereótipo loiro-branquelo-do-olho-azul-made-in-Suécia-e-adjacentes já não interessava mais. Depois de tanto procurar, enfim encontrou o armênio. O turco. O tunisiano. O nigeriano. O albanês. O hondurenho. Experimentou nacionalidades de todos os cantos do mundo. Enquanto isso, claro, esnobava every single brazilian guy que tentava puxar conversa. “Sorry, but I have no ideia what you’re talking about.”

Ele atingiu onze nacionalidades, mais do que o dobro da meta traçada. Mas a diversidade de nações já não o interessava mais. Ele queria mesmo era encher o passaporte com carimbo da Espanha. Tornou-se cliente vip do Mercantile. Ia toda sexta e sábado. Chamava os seguranças pelo nome. Virou amigo do DJ. A paixão pelas chicas de lá o fez torcer por Xavi e Iniesta e companhia na Copa do Mundo. “Quero morar em Mallorca.”

Ela começou a namorar um polonês que trabalhava de segurança. Era pelo menos meio metro mais baixa do que ele. As inimigas diziam que finalmente havia encontrado um trouxa para casar e conseguir o visto de cônjuge. Ela não ligava. Encheu o Facebook de fotos do casal. Descobriu um site de poemas em polonês e passou a publicá-los na página do namorado. A paixão eterna durou quatro meses. “Quero voltar para o Brasil.”

Ele desistiu de morar na Espanha quando a conheceu.

Ela desistiu de voltar pro Brasil quando o conheceu.

Ele foi o primeiro brasileiro que ela beijou.

Ela foi a trigésima-nona brasileira que ele beijou.

Ele só conversava com ela em português.

Ela só conversava com ele em português.

Ele achava perfeito.

Ela achava perfeito.

Ele se apaixonou.

Ela se apaixonou.

Ele aproveitou tudo o que pode.

Ela aproveitou tudo o que pode.

Ele se afastou.

Ela se afastou.

Ele nunca mais a telefonou.

Ela o deletou do Facebook.

Ele resgatou o passaporte antigo.

Ela teve que tirar um novo.

Ele está à solta em Dublin.

Ela também.

Se eu fosse você, tomaria cuidado!

Este texto foi revisado por Camilla Gómez em Setembro/2014.

Leandro Mota

Jornalista desde 2005. Trabalhou por oito anos na Rádio CBN. Fanático por futebol, cobriu duas Olimpíadas (2008 e 2012), uma Copa do Mundo (2010) e outros eventos esportivos. Em 2009, ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por uma série de reportagens sobre preconceito e xenofobia na Europa. Certo dia, bebeu demais e acordou em Dublin. Ainda não descobriu como voltar para o Brasil.

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