Tombos e resistências de um intercâmbio

Às vezes, a queda é inevitável. No intercâmbio, ela é implacável. Mas o que muitos não nos dizem é que tem hora que é necessário se deixar cair. Só nos falam do valor de resistir e poucos entendem o ensinamento de uma queda.  Saber cair tem seu valor. Entregar a luta, baixar as armas, reconhecer a superioridade do adversário – seja ele o cansaço, a rotina ou a saudade… ou todos juntos.

E no intercâmbio, os adversários são muitos. Mas resistimos a quase todos.

Cair e levantar faz parte do intercâmbio. © Sergey Khakimullin | Dreamstime

Para muitas coisas, precisamos aprender a resistir e, por outro lado, precisamos também re-significar as quedas, os tombos e tropeços. E por mais que pareça clichê ou piegas, nada nos ensina tanto quanto a vida fora da nossa zona de conforto, do nosso país e longe das nossas origens. São tantos desajustes quando desembarcamos em território estrangeiro que não há uma alma intercambista sequer que não tenha alguma história de superação.

Bem sabemos que a realidade difícil está em toda parte, inclusive no Brasil nesse exato momento. Mas enfrentar uma realidade cruel longe de casa amadurece tanto, de verdade e sem demoras. Criamos tantos corpos de resistência que já nem sabemos mais ao que estamos resistindo.

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Somos corpos de resistência depois daquele dia estafante que deu tudo errado, de ouvir ladainhas sem sentido, dos individualistas colegas de trabalho que nos julgam. Corpos de resistência depois de passar o dia carregando peso, de aguentar as constantes e inevitáveis dores nas costas que nem remédio alivia. Corpos de resistência no final de um dia que constatamos que envelhecemos uns 3 anos em 3 dias. Somos corpos de resistência por colocarmos a cara a tapa, acordar às cinco da manhã em um domingo chuvoso e se virar para chegar no trabalho (para quem não sabe, os ônibus em Dublin em dias de domingo só começam a circular depois das 8h da manhã).

Somos corpos de resistência ao tentar dar o nosso melhor mesmo quando o ambiente não colabora. Corpos de resistência ao lavar inúmeras privadas, sejam de hotéis ou pubs, e em cada uma delas nos questionarmos “O que eu estou fazendo aqui? O que eu estou fazendo com a minha vida?”. E mesmo sem encontrar respostas, seguir e resistir, pois não há respostas e muito menos glamour no dia a dia pesado, cruel, mecânico e avassalador.

Deixemos o glamour para as viagens, para o contato com outras culturas, outras paisagens e alguns carimbos no passaporte. Porque são essas pequenas-gigantes conquistas que nos fazem continuar. E continuamos, renunciando fins de semana e feriados, aniversários de familiares, o nascimento de um sobrinho, o casamento de um amigo. “A escolha foi sua”, diriam. Obviamente a escolha de passar por tudo isso é de quem está aqui. Não é isso que está em questão. É que muitas vezes as pessoas fantasiam um intercâmbio. Claro que para quem não precisa colocar a mão na massa pra trabalhar, é um intercâmbio dos sonhos. Mas será que teria tanto aprendizado e tanto amadurecimento nesse pacote?

A gente aprende a resistir, seja por teimosia, por necessidade e em essência. Resistir na queda e cair resistente… Tanto faz. O saldo continua sendo positivo desde que aprendamos.

Não há tantas resistências sem quedas e não há quedas que já não foram resistências. No entanto, para nos salvarmos dessa implacável rotina, a gente só precisa deixar que algumas coisas sigam seu próprio fluxo. Fechar os olhos, fazer vista grossa e engolir alguns sapos também faz parte (guardadas as devidas proporções). Aí que que se revela o ingênuo engano de quem acha que entregar os pontos é sinônimo de fraqueza. E escolher não brigar não significa uma personalidade frac – ao mesmo tempo que brigar por tudo não demonstra força (e nem inteligência).

Parece que aqui na Ilha Esmeralda já iniciou a temporada das flores. Junto com ela, o maior ensinamento empírico de resistências. Ouvi dizer, também, que na terrinha natal começou a estação das folhas, mostrando o significado das necessárias quedas que vêm para renascer. São dois lados de uma mesma moeda. Seja na Irlanda ou no Brasil, na primavera ou no outono, nesse campo de batalhas a gente se equilibra como pode entre tombos e reerguidas.

Mas quantos cabem em um intercâmbio? Infinitos.

Sobre a autora:
Tainá Proença é jornalista filha da PUC. “Carioca de Petrópolis” e Dublinense por acaso. Vascaína de alma viajante. Sofro de memória falha e algumas inconstâncias.

Imagens via Dreamstime
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