Família, distância e a solidão no intercâmbio

Há quase um ano fora de casa, começo a refletir sobre a decisão de viver longe da família e suas consequências.

Quando cheguei aqui era tudo alegria, a saudade não tinha espaço em meio a tanta coisa nova. Demorei para entender o que é realmente a distância, o que é estar longe. Datas comemorativas como o Natal, aniversário da mãe e do pai, entre tantas outras, começam a ganhar outro significado.

Não sei como minha mãe se sentiu quando, em seu aniversário, eu não estava lá para abraçá-la e dar meu presente. Não falo somente da embalagem embrulhada, mas do ato presente, minha presença. Eu mandei presente via correio, cartão postal e nos falamos por Skype. Me dei por satisfeita e acredito que ela também. Demonstrei meu carinho e que ainda penso nela, mesmo estando longe.

Arquivo Pessoal

Agora é a minha vez. Às vésperas do meu aniversário, começo a refletir e pensar sobre questões que estavam guardadas, prontas para surgirem a qualquer momento. E, como espinhas num adolescente encabulado, vi surgir o sentimento de solidão. Na tentativa de me auto consolar, busquei refúgio em minhas lembranças. Me surpreendi.

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Entre tantas coisas boas, também encontrei as que não tinham explicação, que tive que solucionar sozinha. Voltei ao passado e me lembrei do meu aniversário de 9 anos. Meu pai e minha mãe haviam se separado e, devido a isso, meu pai não estava lá na data, que era tão importante para mim. Nem ele, nem a família dele. Lembro que minha mãe tentou de tudo para que eu ficasse feliz. Mas, apesar dos esforços, ela não era capaz de substituir a ausência de tias, tios, primos, primas e pai. Todos se foram com ele.

Lembro exatamente do sentimento de raiva que me dominava. Chorava comigo, chamando-os de egoístas, ingratos, acusei-os de abandono e de não me amarem. Quase 20 anos depois, vivo o mesmo cenário. Não tem família, mas como a decisão de estar longe é minha, não acuso ninguém. Foi aí que percebi: a egoísta agora sou eu. Comecei a esclarecer e pontuar. A colocar cada coisa em seu lugar . Mesmo ser egoísta é difícil.

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Não foi fácil para nenhum dos lados a decisão de deixar amigos e família para trás. Nem pra mim, nem pra eles. Nem antes, nem agora. Mas, longe de casa, consigo entender por que sofria aos 9 anos e por que é mais fácil de lidar com a distância hoje em dia. A diferença crucial, que eu não tive naquele momento, é a comunicação. Não falo aqui do advento do Skype ou WhatsApp, que facilitam a troca de notícias, mas que não completam, sozinhos, a dinâmica da comunicação. Falo do entendimento e do impulso que nos faz caminhar nessa vida.

Culpei a família pelo abandono porque nunca me foi explicado o motivo da separação, o porque de todos terem ido e só eu ficado. Embora tenha decidido partir, deixei o que podia para sanar a minha ausência. O que? A explicação e os motivos que guinavam a minha vida para tão longe. Deixei a abertura para diálogos, comunicação e os mais esclarecidos sentimentos da minha partida.

Aprendi e entendi que se não nos comunicamos, não nos pertencemos. Há 20 anos eu não estava apta para entender esse diálogo. Precisei estar por conta própria para entender o quanto doí viver tão longe de casa – e que a egoísta de 20 anos atrás, e ainda hoje, na verdade sou eu. Todos nós. O tempo atua diferente quando não estamos por perto de quem amamos. Vejo novas rugas a cada vez que falo com minha família via Skype. Quando me demoro um pouco mais, penso “caramba, eles estão ficando velhos”. Parece que só eu não envelheço, que parei no tempo, mas a velhice anda com a gente. Por isso, não me causa estranhamento quando olho no espelho e me reconheço. Reconheço a mim, minhas razões, e todo motivo de estar aqui.

É preciso saber deixar quem amamos, conhecer a liberdade de dizer adeus e caminhar em paz. Olho para trás, me vejo de novo criança, agora não mais com dor, mas brincando com lembranças como se fosse uma boneca. Lembranças que tomaram nova postura depois que entendi que já nascemos partindo, e após apreender a andar, vamos caminhando sem mensurar a dimensão entre amor e distância. Mas, uma vez que entendemos as razões daqueles que amamos de irem ou ficarem, tudo se torna simples e egoísmo vira liberdade.

Sobre a autora:
Adriana Ribeiro é Paulista, formada em rádio e TV e nas duras esquinas da vida. Cismou que é poeta, mas que lhe faltava conhecimento de causa e dor. Decidiu, então, viajar para, no seu caminho, encontrar linhas e rimas. Você também a encontra em Bizunnga.

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